quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

"Suspiros Inflamados, que cantais"

Luís Vaz de Camões: Soneto 059

Suspiros inflamados, que cantais
a tristeza com que eu vivi tão ledo!
Eu mouro e não vos levo, porque hei medo
que, ao passar do Lete, vos percais.

Escritos para sempre já ficais
onde vos mostrarão todos co dedo
como exemplo de males; que eu concedo
que para aviso de outros estejais.

Em quem, pois, virdes falsas esperanças
de Amor e da Fortuna, cujos danos
alguns terão por bem-aventuranças,

dizei-lhe que os servistes muitos anos;
e que em Fortuna tudo são mudanças,
e que em Amor não há senão enganos.

domingo, 2 de novembro de 2008

Mulher

"Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me."

De: ASSIS, Machado de. "Capítulo XXXII - Olhos de Ressaca". In: Dom Casmurro. 1899.


Mateus Lourenço: "Mulher"

Sugam-me as sensações ciganas
Que em teus olhos vejo vivas,
Ora com amor me enganas,
Ora do teu engano me privas

Deixa a mim o riso dos infelizes
Antes ele à dor dos contentes
Melhor sentir o que não me dizes
A ouvir o eco do que não sentes

Quanto aos meus olhos, venda-os
Ou, se quiseres, vende-os a juros
Prefiro ser cego sob tua lunar luz
A tatear, sem ti, os dias escuros

Tua verdade irreal me entorpece
Melhor é tê-la às mãos e à vista
Que ter uma realidade que cesse
E a perda d'um sonho que exista